Critica Quarteto Fantástico

por Filipe Pereira

Quarta tentativa de realizar um filme no universo da família mais famosa da Casa das Ideias, a versão 2015 de Quarteto Fantástico teve uma abordagem de marketing bem diferente dos outros produtos do cinema heroico, garantindo ao trabalho de Josh Trank tivesse em si um bocado de mistério quanto a abordagem, deixando seu público confuso em relação as expectativas, além de desviar o foco da crítica de cinema especializada no sub-gênero de super-heróis.

Repleto de saltos temporais, o filme começa no passado, pelos idos dos anos noventa, incluindo referências claras a videogames da época. O ponto de partida é a infância de Reed Richards, antes de ser interpretado por Miles Teller. O garoto sonhava com um experimento científico a frente de seu tempo e sua maturidade. O único aspecto que se aproxima da normalidade dentro da rotina de Richards, é a amizade com Grimm – que na fase adulta é realizado por Jamie Bell – movida por uma compreensão quase muda, primeiro pela quietude do rapaz bronco, e também pela distância intelectual de ambos. Desde o início, Benjamin se sente subalterno diante do amigo, se valendo do que lhe sobra enquanto companheiro “força bruta”, apesar da baixa estatura do intérprete.

O entorno de Reed é curioso, formado por pessoas que em nada combinam com ele, o que deixa a nítida sensação de que ninguém pertence aquele mundo, como retalhos reunidos em uma colcha maior, orbitando em volta da capacidade do jovem cientista. A nova versão de Viktor Von Doom (Toby Kebbell), como um potencial gênio da ciência com grandes dificuldades de socialização. Os irmãos Storm, Johnny (Michael B. Jordan) e sua irmã adotiva Sue (Kate Mara) vivem sob a tutela de doutor Franklin Storm (Reg E. Cathey), que é o idealizador do Instituto Baxter, que financia a construção da máquina idealizada por Doom e replicada acidentalmente por Reed. O intuito de gerar uma nova geração para “consertar” o mundo é bastante ideológica e utópica, sendo o aspecto mais próximo de pueril que o roteiro de Trank, Simon Kinberg eJeremy Slater propõe, mesmo com tantas diferenças de moral quanto há no heterogêneo grupo.

O incidente, chamado no filme de episódio Baxter ocorre através de atos impulsivos, da parte dos exploradores, que se desesperam após ver o sonho de suas vidas prestes a ser realizado por outrem. A partir daí, uma sucessão de eventos confusos se desencadeiam, e Johnny, Viktor, Reed e Ben se lançam em direção a tal Quarta Dimensão, tardiamente supervisionados por Sue, que sofre com eles uma sobrecarga da substância transformadora que agiu sobre os homens. Curiosamente, os eventos mal construídos que se seguem fazem eco com os rumores relacionados ao ambiente de bastidores, supostamente conturbado, o que ajudaria demais a explicar os erros da produção.

O modo escolhido para mostrar as novas habilidades é muito inteligente e adulto. Mostrar a demonstrações de mutação corporal como fenômenos de aberração e espectros de terror é um digno artifício de maturidade, na tentativa dos cineastas de se afastar da infantilidade demasiada das encarnações de 2005 e 2007, executadas também pela Fox, mas não são suficientes. O maior acerto do grupo atual é o carisma de Teller, que segura muito bem a barra de ser o protagonista, mas também chama a atenção para a completa nulidade que são os coadjuvantes em termos de fascinação, ao ponto de não haver nenhuma discussão quando os mais imaturos cedem aos desmandos dos militares, que se dizem proprietários dos poderes especiais do Coisa, Tocha Humana e Mulher Invisível, bem como do Senhor Fantástico, ainda não nominado desta forma, assim como seus comparsas. A falta de atos heroicos é apenas um dos avatares da falta de escapismo, marca registrada dos textos de Jack Kirby e Stan Lee.

A fotografia do filme é interessante, apesar de a escolha por um acinzamento da tela, que faz lembrar demais a atmosfera que Marc Webb usou em Espetacular Homem-Aranha, reprisando alguns erros, mas não as piores lástimas, como factoides ligados a teorias da conspiração. Segue a tônica de diferenciar demais do tom leve que formavam o caráter das histórias clássicas, caso o filme não fosse tão inconstante. O tempo inteiro a nova versão parece querer fazer esquecer as últimas abordagens dos heróis.

Outra polêmica é a faceta do Doutor Destino, que finalmente condiz com sua contraparte quadrinística, misantrópica como o original, fazendo da quarta dimensão o seu mundo, a sua Latveria, distante dos mortais que destruíram seu próprio planeta. No entanto, toda a motivação construída de início aos poucos se esvai, especialmente nas soluções vistas nas atitudes dele como algoz, repletas de crueldade, mas com soluções muito rápidas, o que faz contradizer o início de sua trajetória.

O tom escuro que Josh Trank escolheu para o seu filme acerta em fazer esquecer a infantilidade dos últimos episódios da franquia, mas erra ao fugir do clima divertido. O desfecho chega perto de ser plausível mas ataca a suspensão de descrença que até os momentos finais, não tinha sofrido qualquer impacto. O resultado final de Quarteto Fantástico é tão nebuloso quanto a sua fotografia saturada, confusa como a abordagem cautelosa do diretor.

– Texto de autoria de Filipe Pereira, jornalista, escritor e editor do site Vortex Cultural 

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